Introdução: Guia Definitivo sobre Demissão, Documentos e Cálculos (Exemplo: Salário de R$ 6.000)

A demissão sem justa causa representa um momento crítico e delicado para o trabalhador — especialmente para aqueles com muitos anos de dedicação à empresa. É, infelizmente, nesta etapa que ocorrem erros de cálculo, omissões de verbas e manobras que podem reduzir significativamente seus direitos.
Para se proteger, é fundamental dominar os detalhes: como cada verba é calculada, a conferência do TRCT, o funcionamento do FGTS, o código de desligamento correto, o que jamais deve ser assinado e como interpretar as datas para evitar prejuízos.
Este guia foi desenhado para ser prático e direto, apresentando um exemplo real de cálculo com salário de R$ 6.000, para que você saiba exatamente o que conferir e como garantir cada centavo do seu direito.
1. Primeiro Passo: Identifique e Confirme a Demissão Sem Justa Causa
Antes de iniciar qualquer cálculo financeiro, a prioridade é validar o tipo de desligamento registrado, pois é ele que destrava todos os seus direitos. No seu Termo de Rescisão (TRCT), verifique os seguintes campos:
Campo: Tipo de Desligamento
Deve constar: “Dispensa sem Justa Causa por Iniciativa do Empregador”
Campo: Código de Movimentação do FGTS
Código Obrigatório para Saque: I1
O código I1 é o único que garante o saque integral do FGTS e a multa de 40%.
Fique atento: se o código for I3 (Extinção por Prazo Determinado) ou I7 (Acordo entre as partes), você perderá direitos essenciais. Este é um dos erros — ou fraudes — mais comuns em rescisões problemáticas.
Portanto, sua primeira ação de auditoria é conferir se o código de movimentação é, de fato, o I1.
2. Alerta Vermelho: O Perigo de Assinar com Datas Retroativas
Um golpe clássico envolve a empresa solicitar que o trabalhador assine a rescisão com uma data anterior à real. Isso nunca é “apenas burocracia”. Veja os riscos:
Por que empresas manipulam as datas?
1. Para encurtar artificialmente o prazo legal de pagamento;
2. Para reduzir o valor do saldo de salário;
3. Para diminuir o pagamento do 13º salário proporcional;
4. Para cortar dias das férias proporcionais;
5. Para pagar menos dias de aviso prévio;
6. Para evitar a multa por atraso no pagamento da rescisão;
7. Para desviar o depósito do FGTS da data correta da guia (GRRF).
O TRCT é um documento oficial e deve refletir exatamente a data real da comunicação da dispensa. Não aceite o argumento de “data que a empresa achou melhor”.
Como reagir à manipulação de datas?
Se você receber um TRCT contendo:
Uma data de demissão anterior ao dia real;
Uma data de aviso prévio que não condiz com a realidade;
Ou uma data de saída adulterada;
Não assine. Exija a correção imediata. Todo o processo deve seguir a cronologia fiel para garantir o cálculo correto das verbas.
3. Checklist de Documentos Obrigatórios na Rescisão
Na demissão sem justa causa, a empresa é obrigada a fornecer um kit completo de documentos. A ausência de qualquer um deles é um sinal de alerta.
3.1 TRCT (Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho)
Este é o mapa da sua rescisão. Nele, verifique obrigatoriamente:
O motivo da rescisão;
As datas (admissão, afastamento e a projeção do aviso prévio);
O salário base (deve ser o maior salário recebido);
O detalhamento de cada verba (não aceite valores aglutinados);
Os descontos aplicados;
O valor líquido final;
A assinatura do empregador;
Seu campo de assinatura (assine apenas após receber os valores).
3.2 Termo de Quitação ou Homologação
Embora a Reforma Trabalhista tenha retirado a obrigatoriedade da homologação sindical, para contratos longos (como no exemplo de 37 anos), ela é uma segurança jurídica recomendada para atestar a conferência dos cálculos.
3.3 Extrato Analítico do FGTS (Todas as contas vinculadas)
Não aceite apenas o saldo final. Você deve conferir:
Se todos os depósitos mensais foram feitos;
A aplicação correta de juros e correção;
Se há contas inativas de períodos anteriores (comuns em casos de fusão/aquisição de empresas);
Se o saldo base da multa (GRRF) bate com o total real do extrato;
Empresas má intencionadas tentam “esquecer” contas antigas para pagar uma multa menor.
3.4 Chave de Conectividade
Este é o código gerado pela empresa que libera seu acesso ao saque do FGTS na Caixa Econômica Federal.
3.5 GRRF (Guia de Recolhimento Rescisório do FGTS)
Este documento comprova o pagamento da multa. Ele mostra:
O valor da multa de 40%;
O recolhimento do FGTS do mês da rescisão (e do mês anterior, se houver);
O total a ser depositado na sua conta vinculada.
O valor da base de cálculo na GRRF deve ser idêntico ao saldo total do seu extrato.
3.6 Guia do Seguro-Desemprego
Documento indispensável na demissão sem justa causa. Sem ele, você fica impedido de dar entrada no benefício.
4. Cálculo Prático da Rescisão: Exemplo com Salário de R$ 6.000
Vamos transformar a teoria em prática com um cenário realista para facilitar sua conferência.
Dados Base para o Exemplo de Cálculo
Salário Base: R$ 6.000,00
Data da Demissão: 02/12/2025
Tempo de Casa: 37 anos
Tipo de Aviso: Indenizado (pago sem trabalhar)
Últimas Férias: Gozadas em fev/2025
Férias Vencidas: Não há
Composição do Saldo FGTS:
Conta A (Atual): R$ 600.000,00
Conta B (Antiga/Incorporada): R$ 120.000,00
Total FGTS para multa: R$ 720.000,00
4.1 Aviso Prévio Indenizado
A Lei 12.506/2011 garante 30 dias + 3 dias por ano completo de trabalho, limitado a 90 dias.
Cálculo dos dias: 30 + (37 anos × 3) = 141 dias. Como o teto é 90, consideramos 90 dias.
Valor do dia: R$ 6.000 ÷ 30 = R$ 200,00
Total do Aviso: 200 × 90 = R$ 18.000,00
4.2 Saldo de Salário
Refere-se aos dias trabalhados no mês da demissão (2 dias de dezembro).
Valor do dia: R$ 200,00
Total do Saldo: 200 × 2 = R$ 400,00
4.3 13º Salário Proporcional
Considerando a projeção do aviso prévio indenizado, você recebe quase o ano todo. Contagem: 11/12 avos (dezembro não conta como mês cheio trabalhado, mas entra na projeção).
Cálculo: R$ 6.000 ÷ 12 × 11 = R$ 5.500,00
4.4 Férias Proporcionais + 1/3 Constitucional
Período aquisitivo: de fev/2025 até a projeção do aviso em 2026. Equivalente a 10 meses.
Valor das Férias: R$ 6.000 ÷ 12 × 10 = R$ 5.000,00
Adicional de 1/3: R$ 5.000 ÷ 3 = R$ 1.666,67

Total de Férias: R$ 6.666,67
5. A Multa de 40% Sobre o FGTS (Atenção Máxima)
Este é o ponto financeiro mais crítico para funcionários antigos.
Muitos empregadores tentam aplicar os 40% apenas sobre a “conta ativa” ou sobre o saldo atual, ignorando saques anteriores ou contas de períodos antes de fusões. Isso é ilegal.
A multa incide sobre todo o montante depositado durante a vigência do contrato, incluindo juros e correções.
Cálculo correto no exemplo:
R$ 720.000 (Total real) × 40% = R$ 288.000,00
6. Resumo Final: Total a Receber pela Empresa (R$ 30.566,67)
Abaixo, o somatório das verbas rescisórias que a empresa deve depositar diretamente na sua conta:
Aviso Prévio: R$ 18.000,00
Saldo de Salário: R$ 400,00
13º Proporcional: R$ 5.500,00
Férias + 1/3: R$ 6.666,67
Total Líquido: R$ 30.566,67
Nota: O FGTS e a Multa de 40% não entram neste depósito; eles são liberados via Caixa Econômica.
7. Prazos Oficiais para Pagamento e Saque
Evite confusões sobre as datas limites:
Pagamento da Rescisão: A empresa tem até 10 dias corridos após o término do contrato para pagar as verbas.
Liberação do FGTS: Ocorre geralmente entre 3 a 5 dias úteis após a empresa enviar a GRRF e gerar a chave.
Seguro-Desemprego: O pedido pode ser feito a partir do 7º dia após a demissão (e até 120 dias).
8. A Regra de Ouro da Assinatura do TRCT
Muitos trabalhadores perdem o poder de barganha por assinarem documentos prematuramente.
Só assine dando quitação após o dinheiro cair na conta
A regra é clara:
Você só deve assinar o termo de quitação depois de confirmar o recebimento dos valores.
Se a empresa pedir para assinar antes:
1. Você perde a prova legal de inadimplência caso eles não paguem;
2. A empresa pode usar o documento assinado contra você na justiça;
3. Você perde sua principal ferramenta de pressão.
O que fazer se for coagido a assinar?
Se a pressão for inevitável e você precisar assinar para não travar o processo, escreva à mão, junto à sua assinatura:
“Assinado apenas para conferência de valores. Não houve quitação financeira até o momento.”
Ou, idealmente, exija que a assinatura ocorra na presença de um advogado ou no sindicato da categoria.
9. Auditoria do TRCT: Analisando Campo por Campo
A leitura técnica do documento evita prejuízos de milhares de reais. Foque nestes pontos:
9.1 As Datas
São os campos mais manipulados. Verifique:
A data de afastamento real;
A data projetada do fim do aviso prévio (que conta para aposentadoria);
O último dia efetivamente trabalhado;
A data efetiva do pagamento.
A data de desligamento deve ser o espelho do dia da comunicação da dispensa.
9.2 Salário Base para Fins Rescisórios
Deve corresponder à sua maior remuneração, não apenas ao salário fixo na carteira. Empresas tentam:
Reduzir a base de cálculo;
Excluir médias de horas extras e comissões;
Considerar um salário desatualizado.
9.3 Discriminação das Verbas
Cada direito deve ter uma linha específica:
Saldo de salário;
Aviso prévio indenizado;
Férias (vencidas e proporcionais);
13º salário;
Multas (se houver).
Se o TRCT apresentar valores “amontoados” ou genéricos, recuse. Isso é técnica para ocultar erros de cálculo.
9.4 Descontos Permitidos
Atenção redobrada aqui. Só são legais:
INSS e IRRF (Imposto de Renda);
Adiantamentos comprovados e autorizados;
Faltas não justificadas;
Contribuições que você autorizou por escrito.
Qualquer “desconto operacional”, “avaria” não provada ou taxas estranhas são ilegais.
10. A Importância da Homologação (Mesmo não sendo obrigatória)
Para quem tem contratos longos e valores altos a receber, a assistência do sindicato ou de um advogado é crucial.
Durante uma homologação assistida:
Todas as contas e médias são recalculadas;
Os extratos do FGTS são auditados;
A regularidade dos prazos é checada;
A guia GRRF é validada;
Os mapas de cálculo são revisados profissionalmente;
A assinatura só acontece com a certeza da correção.
Para um histórico de 10, 20 ou 30 anos de empresa, abrir mão dessa conferência é um risco desnecessário.
11. Golpes e Erros Frequentes: Resumo para Proteção
Fique alerta contra estas práticas comuns de empregadores mal-intencionados:
11.1 Código de Desligamento Incorreto
Impede seu acesso ao Seguro-Desemprego e ao saque do FGTS.
11.2 Data Retroativa na Rescisão
Diminui suas verbas proporcionais e impede a cobrança da multa por atraso no pagamento.

11.3 Omissão de Saldos Antigos de FGTS
Ocorre quando a multa de 40% é calculada ignorando contas de períodos anteriores ou empresas incorporadas.
11.4 Aviso Prévio Calculado a Menor
Ignorar a lei que adiciona 3 dias por ano trabalhado, pagando apenas os 30 dias básicos.
11.5 Férias com Média Baixa
Quando a empresa ignora variáveis (horas extras, comissões) na base de cálculo das férias.
11.6 Coação para Assinatura Antecipada
Pressionar o trabalhador a assinar a quitação antes de realizar o depósito bancário.
12. Legislação e Fontes Oficiais (Atualizado 2025)
CLT: Consolidação das Leis do Trabalho
Lei 8.036/1990: Dispõe sobre o FGTS
Decreto 99.684/1990: Regulamento consolidado do FGTS
Lei 12.506/2011: Lei do Aviso Prévio Proporcional
Manuais Caixa: GRRF e Operacional FGTS
Portaria MTP 671/2021: Regras sobre documentos trabalhistas eletrônicos
CODEFAT: Resoluções atualizadas sobre o Seguro-Desemprego
Materiais de Apoio para o Trabalhador
Para facilitar sua conferência, disponibilizamos também:
📌 Versão em PDF: Guia completo pronto para impressão e consulta offline.
📌 Checklist de Rescisão: Uma lista rápida para revisar seu TRCT antes de assinar.
📌 Modelo de Solicitação: Texto padrão para pedir ao sindicato a homologação assistida da sua rescisão.

Engenheiro, Técnico, com foco em Engenharia de Telecomunicações e sistemas de comunicação via satélite. Casado, Pai de 2 filhos. Cidadão de bem e brasileiro.
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